CAIO REISEWITZ |
João Carlos Pereira
Se a quarta-feira de cinzas de 2015 precisasse de um único motivo para justificá-la, encontrou, na morte da professora Célia Coelho Bassalo, sua razão definitiva. O dia, que teve chuva de manhã, à tarde e à noite, parecia predestinado ao silêncio e à tristeza. Célia deixou este mundo numa quarta-feira que não queria existir e os que sobrevivemos a ela estamos cobertos com a mais triste e fina das cinzas da saudade.
Célia Bassalo não foi apenas uma das mulheres mais bonitas, refinadas, elegantes e cultas que o século XX ofereceu ao Pará. Era uma pessoa rara. Tantas qualidades, improváveis numa única e mesma criatura, poderiam dar a impressão de que a humanidade se lhe evaporara. Um engano: a enorme generosidade de uma vida inteira dedicada à família – a sua, lado do companheiro de uma existência inteira, o físico José Maria Filardo Bassalo, e dos filhos Ádria e Jô – e da de seus pais, dona Celina e professor Machado Coelho – transformou-a numa espécie de coluna central em torno da qual giravam os irmãos, os sobrinhos, os netos, os sobrinhos-netos e amigos sem conta. Se o amor em família possuía um eixo, entenda-se que ele se chamava Célia Coelho Bassalo.
Minha professora no curso de Letras e amiga por tantos anos, Célia me ensinou a amar a teoria da literatura e o “art nouveau”. Graças ao que com ela aprendi, consegui ocupar (indignamente, é claro, porque certas pessoas não podem ter substitutas – no máximo sucessores) a cadeira que pertenceu à nossa muito amada professora Albeniza de Carvalho e Chaves, na Universidade Federal do Pará. Foi desse tempo, escondido nos anos 70 do século passado, que surgiu uma amizade preciosa. As leituras essenciais e complementares, em francês e em português, os livros que não havia por aqui e que ela, bondosamente, me emprestava, o aprofundamento num ou noutro tema me aproximavam cada vez mais da professora, de sua(s) família(s), de sua casa. De meu coração profundamente entristecido – diria mesmo desolado – brota, ao lado da flor da saudade, a nascente de um rio chamado gratidão.
Provavelmente a maior estudiosa da estética “nouveau” no Brasil, Célia, às vezes, parecia um camafeu ou uma daquelas lindas figuras femininas que só se veem nas grandes peças decorativas do período que iluminou o mundo da “belle époque”. Essa luminosidade, nela tão natural, “sem mistura de escuridão”, como disse São Lucas, era uma marca de sua bondade; do farol que ajudou tanta gente – alunos, amigos, colegas de trabalho, familiares – a encontrar os caminhos da vida.
A quarta-feira triste que nos afastou do convívio de Célia Bassalo finalizou a dolorosa montagem do “barco de madeira construído no ar para a viagem do mito”, como cantou seu poeta Paulo Plínio Backer de Abreu. A “nau, feita de vento e força de um pensar antigo”, conduziu-a, poeticamente, para o colo do mais lindo dos anjos trazidos da Itália para Belém, cuja existência e importância só foram reveladas à cidade pela própria Célia, nos seus estudos sobre arte. A última peça do período registrada na alfândega do Pará e levada para o cemitério de Santa Isabel, onde embeleza um túmulo em frente à capela, tinha a figura de um ser angélico, com vistosas asas abertas, prontas para a viagem definitiva. Era o anjo da morte, que conduzia docemente no colo a alma de uma bela mulher. A delicadeza das formas remete, nessa hora de dor, à figura de Célia Bassalo, hoje “desfeita em voo puro e quase mito”, completaria Paulo Plínio, a caminho da luz.
A morte de Célia Bassalo, em todos os sentidos, seja para os que tiveram a chance de conviver com ela e amá-la, seja para a vida intelectual de Belém, possui a dimensão muito maior do que a de uma perda. É uma verdadeira devastação.
Eu ainda me vejo andando em sua casa na avenida Gov José Manchar.. era uma Sra que inspirava, incentivava a todos que ali chegavam. Me veio uma saudade sua , não sabia que havia partido...com muita tristeza lamento esta partida. Tomei conta de seu seu pai qdo viúvo ele ficou ( Inocêncio Machado ) Teria tomado conta da Sra . Que Deus lhes abençoe. Realmente eu não sabia..Sandro Moraes
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